As fotos da Santa Sofia

Estive em Istambul na semana passada. Um dos lugares mais bonitos da cidade e de grande valor histórico é a Basílica de Santa Sofia, hoje funcionando como um museu. A construção, terceira erguida no local, data do século VI. Através dos anos, passou por diversas restaurações (muitas para reconstrução de partes que cederam com terremotos), ganhou paredes forradas com mosaicos, anexos e minaretes na sua tranformação em mesquita no século XV. Não é difícil conceber a magnificência do lugar, embora o seja tentar imaginar tudo que ele representa e representou no passado.

No entanto, a beleza do lugar não é incrivelmente vistosa: o prédio é um tanto escuro, nem todos os mosaicos estão completos, muita coisa foi coberta por modificações posteriores. Ou seja, a estética não é plasitifcada, vislumbrante, e sim permeada de séculos de história, o que torna cada aspecto da Santa Sofia ainda mais interessante.

O curioso é que, no segundo andar, numa das alas há um conjunto de fotos do interior da basílica. Impressas em alta qualidade em tamanhos grandes, as imagens mostram detalhes ou panoramas de edifício. Isso me intrigou. Por que expor fotos do lugar em que se está, de coisas que podem ser vistas apenas olhando para os lados? Não eram fotos históricas e nem mostravam detalhes que não podiam ser vistos diretamente, com exceção de algumas imagens em close dos mosaicos.

Turistas fotografando fotosPrestando atenção nas fotos expostas, no entanto, percebia-se que elas eram tecnicamente muito bem feitas. Feitas com tripé e em horários estudados, as imagens continham uma luminosidade que não correspondia ao que podia ser visto. Além disso, os espaços estavam vazios e não cheios de turistas. Ou seja, nas fotos, é criado o ideal que os visitantes procuram quando visitam um lugar como esses. Ali não estão as salas escuras apinhadas de gente, mas os corredores reluzentes e desertos imaginados. A realidade não é boa o suficiente: é preciso exagerá-la, ou confirmar que o lugar em que se está tem todo aquele potencial de beleza. E quem faz isso é a fotografia.

Isso não poderia levar os visitantes a outro comportamento: eles fotografam as fotos! É claro, pois o lugar fantástico que imaginam está ali e não nele mesmo. E eu, pensando em escrever esse texto, adiciono um elo a essa cadeia bizarra, ao fotografá-los fotografando as fotos do lugar em que estamos.

Embora eu não me surpreenda com a força que a fotografia tenha pela transformação que proporciona a realidade, não consigo deixar de achar muito curioso que essa força se mantenha mesmo quando ela é colocada lado a lado com seu referente. A Santa Sofia esperou mais de mil anos para ser fotografada. Será que só depois de todo esse tempo a sua beleza pode ser de fato expandida em todo o seu potencial, através da mágica da câmera fotográfica?

6 comentários em “As fotos da Santa Sofia”

  1. Seja bem-vindo de volta, Rodrigo!

    Belo texto de volta, uma ótima reflexão.

    A Fotografia direciona o olhar, faz com que as pessoas vejam coisas que lhes passam despercebidas porque as isolam de toda informação visual extra.

    Mas acho que esse direcionamento poderia ser aproveitado pelos turistas pra eles próprios exercitarem seus olhares e procurarem enxergar aquela beleza em meio à presença dos demais ou talvez voltarem num horário em que a luz estivesse mais bonita sobre a construção, e no entanto estimularam o estranho comportamento de fotografar as fotos. Sendo assim não vejo por que razão cruzaram o mundo, bastaria comprar um livro com ilustrações sobre o lugar.

    Você certamente deve ter aproveitado muito mais. :o)

  2. Lilian,

    É de fato um comportamento curioso, mas compreensível. Você pega o ponto certo ao falar de como a fotografia poderia funcionar e do efeito que de fato tem. Por conta da força idealizadora das fotos (especialmente as que tem o referencial publicitário), o mundo real passa a ser sem graça, sem cor, sem vivacidade. Fazer boas fotografias significa, geralmente, dar ao mundo qualidades que ele não tem. E onde fica o sentido inverso, que é nos voltar para aquilo que nos cerca e enxegar a beleza no simples, no escuro, no ordinário? Esse é um caminho que também pode ser feito com a câmera fotográfica.

  3. Bom retorno Rodrigo.

    Ao turista comum talvez a beleza do local já está mostrada nas fotos que vêem, nos registros já feitos.

    Se torna mais fácil então registrar estas fotos e assim, compartilhar c os que nunca foram ao local.

    A quem tem um olhar mais apurado, sejam fotógrafos dedicados, sejam apreciadores de arte, talvez este simples aspecto não convença.

    Questão de comodidade e escolhas.

    A sua foto aqui traduz bem o olhar de quem não se satisfaz c o óbvio, c o fácil e busca sempre o algo mais.

    Abraços.

  4. Peri,

    Minha esposa comentou que as pessoas fotografam as fotos porque é a maneira mais fácil de levar boas fotos do lugar para casa. É mais fácil reproduzir uma foto bem feita do que tentar fazer uma por si próprio. E isso não é condenável, pois nem todo mundo quer saber tirar boas fotos, e não há problema nenhum nisso. Mas ainda assim acho a coisa toda muito curiosa, pela forma como as fotos expostas mostram o lugar de uma forma como não se vê normalmente, e é esse ideal que os visitantes preferem levar de recordação.

    Abraços.

  5. Rodrigo;
    Estar presente. isso é algo que vem sendo dito há séculos, mas não é completamente entendido. E não é entendido porque o homem considera-se presente nos locais, mesmo que não esteja neles em pensamento. Na verdade, o homem quase nunca está presente em pensamento ao local e à situação em que está. Nosso ajuste de conduta cultural nos imputou um desejo de viver nas esferas ideais, não no presente. O grande mal da fotografia é ser o perfeito instrumento para traduzir em imagens esse ideal. E o presente, quando comparado a esse ideal parece pálido e tosco, e assim essa cadeia de idealizações vai prosperando, separando cada vez mais o homem do presente. Pois para voltar ao presente é preciso reencantá-lo, e esse reencantamento passa por despir as idealizações, e ao invés de adorá-las como Bezerros de Ouro, livrar-se delas e mais ainda, detestá-las.

  6. Entendi Rodrigo.
    Bem curioso realmente este pensamento do pessoal.
    Só que olhando aquelas fotos que vc fez e postou no Flickr, de lá, ainda assim preferiria fazer como vc fez a arriscar levar fotos já ‘prontas’.
    Mas realmente vc fala uma coisa certa, não é condenável.
    Nem se deve julgar quem as faz deste ou daquele jeito.
    Concordo c vc plenamente.

    Abraços.

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