Pós-processamento e criação

Câmeras digitais geram imagens extremamente detalhadas, com pouca saturação, contraste e nitidez. O aspecto geral das fotos digitais, tais como saem da câmera, são muito mais realistas do que estávamos acostumados com filme, em que havia, na ampliação, um incremento da saturação e do contraste. Por isso, a primeira reação das pessoas quando vêem suas fotos digitais na tela é achá-las “sem graça”.

Na verdade, elas são bastante fiéis às cores e contrastes que percebemos. No entanto, estamos acostumamos com fotos impactantes, nas quais a saturação e o contraste são essenciais. Fabrica-se uma hiper-realidade em que o vermelho é mais vermelho, o azul é mais azul, tudo é super nítido e cada foto tem enormes variações de luminosidade. Em qualquer galeria de fotos online, as imagens saturadas e bem contrastadas são muito mais bem vistas do que aquelas fotos “lavadas” e descoloridas.

Não existe um jeito certo ou errado de fazer fotos. Existem algumas referências, e é preciso apenas entender que o que temos como ideal é ideal para um referencial. Mais interessante do que fazer uma foto contrastada porque foi dito que assim é melhor, é fazer uma foto contrastada porque ela colabora com toda a idéia contida na foto, se for o caso.

O ponto, aqui, é o seguinte: não existe foto digital sem tratamento. Aos puristas que dizem que a foto deve permanecer como saíram da câmera, e dizem, ao postar uma imagem, que não teve PS como se isso fosse uma glória, recomendo a leitura da Ilusão Especular do Arlindo Machado, onde fica claro que a fotografia é uma forma particular e enviesada de retratar a “realidade”. Portanto, não faz o mínimo sentido colocar limitações ao processo de criação de uma fotografia. A foto digital pode ser um ponto de partida, na qual está embutida um potencial. É o tratamento que vai permitir que ela atinja esse potencial.

Como exemplo, selecionei uma série de fotos que fiz em 2005 e que só chegaram a um bom resultado através do tratamento. Coloquei a forma como saíram da câmera e o resultado após passar pelo PS. A primeira estive na exposição sobre o Itaim-Bibi que fiz em conjunto com minha esposa.

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Como pode ser visto, as fotos mudam muito com o tratamento. O interessante, no entanto é fazer desse processo algo pessoal, que possibilite às fotos atingirem o máximo do potencial referente a linguagem que se quer ter, e não seguir um modelo estético padronizado. A edição de imagem após a captura sempre foi um processo criativo à parte, mesmo na época dos laboratórios. Ansel Adams falava em construir uma foto, não em tirá-la; o processo de construção ocorre antes e depois de se pressionar o disparador.

5 comentários em “Pós-processamento e criação”

  1. Olá, Rodrigo;

    Sempre há o paradoxo: as fotos digitais têm mais resolução, mas as feitas com filme parecem mais nítidas. Por que? Devido aos contrastes. E as fotos digitais, quando levadas ao contraste próximo ao do filme perdem resolução.

    Mas nada disso importa muito se entendermos a fotografia como algo distinto da realidade, e entendermos cada fotografia como uma obra visual, uma obra na qual o fotógrafo tem certa intenção que não é jamais ser um vidro transparente que deixe passar a realidade como ela é.

    O tratamento das fotos, digitais ou em filme, deve ser feito sempre tendo em vista a intenção. Não existe tratamento por si só, não existe fórmula geral para tratar mil fotos. Existe cada foto e sua necessidade, cada foto e aquilo que nela desejamos evidenciar, existem os compromissos entre o que desejamos evidenciar e o que desejamos manter.

    Tratamos as fotos para dar a elas o sentido que devem ter.

  2. Ivan,

    Sua colocação reflete bem a ideia do texto. Tem uma passagem do Flusser que dá pra ligar com esse trecho:

    Mas nada disso importa muito se entendermos a fotografia como algo distinto da realidade, e entendermos cada fotografia como uma obra visual, uma obra na qual o fotógrafo tem certa intenção que não é jamais ser um vidro transparente que deixe passar a realidade como ela é.

    Há muitas razões pela qual a fotografia não é um espelho da realidade, mas para o Flusser a questão está no aparelho, uma ideia bastante útil para uma abordagem mais técnica como essa do tratamento.

    Pois bem, o verde que um filme registra não é o verde da grama fotografada; é o verde dos químicos. O verde de uma câmera digital é o verde do sensor, e por aí vai. Portanto, não faz sentido se ater a esse verde da máquina, pois é tão artificial como se a grama fosse amarela na foto.

    Então, com isso deixado para trás, podemos ver a fotografia como interpretação e criação desde o início, e o tratamento ajuda nessa intenção. Diferente do tratamento corretivo, que na verdade age para pasteurizar uma foto, seguindo padrões estabelecidos.

  3. Rodrigo,

    Acompanho seus textos a um tempo no Digi, e n?o tinha visto esse ainda. Pra mim, foi um dos melhores textos que eu li ultimamente, principalmente por ser iniciante.
    Na busca de refer?ncias, sempre vejo fotos digitais maravilhosas, cores, contrastes, etc, e ao comparar com as minhas, tinha essa sensa??o que voc? comenta no texto (cores mortas, sem contraste, etc). Eu achava que o fato delas sa?rem da m?quina assim era insufici?ncia t?cnica minha, e isso me desmotivava um pouco.

    O curioso ? que, pensei nisso exatamente ontem, ao carregar um conjunto de fotos que tirei em uma viagem. E depois de olhar todas, tive exatamente esse pensamento: “n?o ? poss?vel fazer as fotos sa?rem 100% da m?quina, vou me conformar, me atentar mais ? composi??o, e depois tratar contraste e satura??o em todas, n?o tem jeito”. E um dia depois, me deparo com esse texto seu, que s? veio corroborar o pensamento intuitivo que tive.

    Desculpe pelo post longo, mas gostaria realmente de agradecer-lhe pelo texto. Me deu novo ?nimo pra continuar fotografando.

    Um grande abra?o do “quase 100% xar?”,
    Rodrigo Pereira Silveira

  4. Caro Rodrigo,

    Realmente, n?o tem jeito, fotos digitais precisam de tratamento. Dependendo da sua c?mera, voc? pode modificar algumas configura??es para que elas j? saiam mais “tratadas” em jpeg. Normalmente, ? poss?vel alterar contraste, satura??o e nitidez. Nas mais avan?adas, ? poss?vel at? usar curvas de cores personalizadas.

    No entanto, ? com os programas de edi??o de imagem que voc? poder? executar tratamentos mais criativos, obviamente. Mas a quest?o principal ? que o tratamento ? uma parte essencial do processo criativo envolvido na fotografia. N?o h? porque descart?-lo ou marginaliz?-lo.

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