O vácuo da mediocridade

Temos quatro fóruns grandes sobre fotografia na internet brasileira. São eles, em ordem de tamanho, pelo número de usuários registrados até o dia 5/4/07:

Digiforum – 15.359
Mundo Fotográfico – 7.669
BrFoto – 6.520
Fotografia Brasil – 2.060

Já participei ou participo de todos, embora mais freqüentemente do Digiforum, onde posto alguns artigos. Na verdade, a freqüência média de postagem minha por lá e de mais ou menos 1,5 mensagem por dia. Ou seja, leio muito mais do que escrevo.

Todos os fóruns têm desafios e propostas distintas. O Digiforum, embora seja o que mais tem usuários novos, que entram geralmente buscando informações sobre compra de câmeras, é também o que busca abrir um espaço consistente para a discussão, o aprendizado e a crítica de fotos. Exemplos disso são a sala de colunistas e a sala Foto Crítica, em que se colocam fotos para serem apenas criticadas, sem bajulação.

Outros fóruns também têm iniciativas semelhantes, como a Galeria Polonesa no BrFoto e a sala Filosofia e Linguagem Fotográfica no Fotografia Brasil. Contudo, esses espaços estão relativamente parados, especialmente pela falta de moderação ou de um formato que fomente a troca de idéias.

Em vez disso, o foco fica no papo sobre equipamentos e outros assuntos estritamente técnicos relativos à fotografia. Poucas pessoas se aventuram e se aproveitam da facilidade de comunicação da web para debater idéias. E o debate, quando ocorre, muitas vezes não é civilizado.

No excelente artigo Repensando Flusser e as imagens técnicas, Arlindo Machado questiona a necessidade do operador da câmera fotográfica, o funcionário de Flusser, conhecer de fato o funcionamento do dispositivo a fim de validar a arte com ele produzida. Complementa que a imagem técnica produziu uma legião de operadores não-artistas, e sim tecnólogos e cientistas.

Flusser desconfia de que a tecnologia se converte hoje numa forma de constrangimento para o criador, numa preocupação, no sentido heideggeriano de Sorge (envolvimento concentrado e exclusivo), que muitas vezes o desvia de sua perspectiva radical e retira a força de seus trabalhos. Na verdade, não é preciso muita filosofia para verificar isso. Basta observar qualquer congresso de arte eletrônica, de música digital ou de escritura interativa, ou folhear qualquer revista dedicada a essas especialidades, para se constatar que o discurso estético, o discurso musical e o discurso literário foram completamente substituídos pelo discurso técnico, e que questões relativas a algoritmos, hardware e software tomaram completamente o lugar das novas idéias criativas. O resultado é um panorama extraordinariamente rico de máquinas e processos técnicos que se aperfeiçoam sem cessar, mas o que se produz efetivamente com esses dispositivos, com raras e felizes exceções, é limitado, conformista e encontra-se abaixo do nível mediano.

O mesmo pode ser dito dos fóruns de fotografia e as produções fotográficas neles inseridas, com raras e felizes exceções, como diz o texto. A lacuna entre essa produção e a produção de qualidade que habita galerias e museus foi descrita pelo Fernando Aznar como vácuo da mediocridade.

Alguns grupos ou fóruns inteiros funcionam como mantenedores de um padrão estético pobre, onde a inovação não deve se dar por novas abordagens ou formas experimentais de manipulação do aparelho — que pra Flusser é uma das saídas frente a sua programação limitada — mas sim pela confirmação e repetição de um uso conservador que leva o cliché a escalas estratosféricas. Não é permitido denegrir o aparelho ou a produção conformista, sobre risco de ser segregado do grupo.

Um exemplo disso ocorreu no Fotografia Brasil. Frente a uma série banal de fotos em silhueta, o Ivan de Almeida denunciou esse funcionamento que enaltece o medíocre. Como era de se esperar quando se ataca um dogma grupal, seus argumentos foram rechaçados e ele foi praticamente “excomungado” da comunidade, retirando-se dela antes que fosse expulso. Para acompanhar o ocorrido, basta clicar aqui.

Ironicamente, outros usuários postaram fotos semelhantes, em forma de apoio ao autor das silhuetas. É interessantíssimo como se pode perceber o funcionamento grupal em processos típicos do que Freud descreveu como mecanismos de defesa mesmo através da internet. Ao negar a própria deficiência, ou enaltecer o medíocre e ao temer a mudança, o grupo se comporta de forma infantil e caricata.

O problema de Flusser em relação à tecnologia na arte envolvia apenas a relação entre operador e aparelho. E aqui vemos que essa relação sofre influência de outra relação operador-aparelho, com o computador e as redes sociais virtuais, que podem ser extremamente poderosas. Infelizmente para os seus usuários, esse poder é expresso na maioria das vezes no aumento do conhecimento técnico mas num distanciamento cada vez maior dos reais problemas da arte.

15 comentários em “O vácuo da mediocridade”

  1. Rodrigo, sobre o “V?cuo da Mediocridade”

    N?o tenho nada contra uma boa foto, mesmo que seja comportada. Mas j? faz algum tempo que ando encanado com a mesmice, minha e da maioria das fotos que vejo. De modo geral, poucos se arriscam e caem de pau em que se arrisca.

    Lendo o que foi postado no Fotografia Brasil, cheguei a uma conclus?o: a grande maioria tem como referencia fotografos comerciais. Outra referencia forte ? fotojornalismo – as vezes mutreta – da NatGeo. Aposto com vc – retorica – que muitos no Digiforum, se pautam pelo tipo de fotografia publicado por esse tipo de trabalho.

    Novamente, n?o tenho nada contra, mas ? uma vis?o que acaba impondo barreiras est?ticas.

    Esse seu texto veio bem a calhar. Nesta semana lendo o blog do David Allan Harvey, Natgeo de novo, (http://www.davidalanharvey.com/), tomei conhecimento de um site/revista JPG Magazine (http://www.jpgmag.com/). Conhece?

    Neste site observei que nem tudo estaria perdido. A mesmice e falta de ousadia ? uma caracteristica dos foruns, mas n?o ? universal.

  2. Eduardo,

    Acho que a quest?o principal est? em como se v? a fotografia, entendendo-a em seus contextos cultural, hist?rico e t?cnico. A partir disso, as fotos que se faz s?o conseq??ncia. O caminho para sair disso, para mim, ? essa compreens?o a abertura em rela??o ao que outras pessoas fazem; n?o adianta apenas ir mais longe para fazer as mesmas fotos, s? que de coisas diferentes.

    A quest?o do Fotografia Brasil foi que alguns usu?rios (n?o todos) s?o extremamente reacion?rios, n?o aceitando qualquer cr?tica ao model?o que todos seguem, baseado, entre outras coisas, na fotografia comercial que voc? cita. Eles fazem qualquer coisa para abafar qualquer iniciativa que possa lev?-los a perceber que existem muito mais coisas al?m daquilo que seguem, ou seja, reconhecer a pr?pria mediocridade. Algo como a velha hist?ria da caverna contada por Plat?o. Isso inclui reverenciar o sub-mediano, que ? a maior parte da produ??o dos f?runs.

    O que acontece tamb?m ? que alguns tentam inovar apenas pela inova??o, sem entender que existe um contexto cultural para esse tipo de coisa. O contraponto por si s? n?o basta para se sustentar, ele precisa de uma base mais s?lida que pode vir com a compreens?o da fotografia de que falei acima.

    Obrigado pelos links, vou dar uma conferida. N?o conhecia a revista que voc? citou.

  3. o Fotografia em Palavras desta semana vir? com um texto sobre criatividade e fotografia no qual tenta entender porque isto ? assim. N?o ? um texto de “desabafo” ou coisa do g?nero, mas somente uma tentativa de entendimento, do porqu? os f?runs terem essa caracter?stica conservadora.

  4. Prezado Rodrigo, no meu modesto entender, um subproduto dos tempos modernos, de c?meras digitais e internet banda larga, ? o fato de que muitos fot?grafos (mas n?o todos, felizmente), abandonaram a fotografia como hobby e passaram a se decicar a um outro: falar de fotografia pela internet; infelizmente, com resultados muito pobres, pelo menos do ponto de vista da fotografia…

  5. Eduardo,

    Acho que o falar em si n?o ? o problema. O problema ? pelo menos nesse caso ? est? num funcionamento grupal que leva a certas atitudes. Aparentemente a internet favorece certos tipos de a??es mais extremas e caricatas, como a agress?o gratuita e desfavorece outras, como a cordialidade.

  6. Eu fico me perguntando: afinal, o que os frequentadores destas salas virtuais pensam que seja um forum?
    Quest?es, pondera??es, pesquisas, opini?es, s?o o alimento; viver as descobertas, sair pro mundo agora com o olhar educado, criativo, mais consciente de suas limita??es, mais curioso, irriquieto, s?o o objetivo. Mas n?o ? nada disso, a papagaia??o gaiata ? sobre a mesmisse, ? o compartilhamento das ignor?ncias, das “certezas” do bom e belo, ? um div? mofado (pe?o desculpas por invadir ?rea alheia) de refor?o e recompensa.
    E o ‘fores’? (“porta para a rua”, origem da palavra ‘forum’). Gostaria de saber pra onde est? dirigida a aten??o do olhar, caso estivesse aberto. A vesguisse dos foruns usa a desculpa do diletantismo, do descompromisso, porqu? “somos amadores”, naifs. Amar ? um hobby? ? um ato ing?nuo, irrespons?vel? N?o h? casamento que resista ? esta mesmisse.
    ? imposs?ver ocupar este abismo entre a Arte (n?o foi ela que criou) e a sociedade dos mass-media com os auto-intitulados amadores-avan?ados? Quero crer que a internet poderia tranformar este v?cuo em espa?o de id?ias, uma fraternidade que n?o se esconde do mundo por tr?s dos monitores, que desvirtualizasse as pessoas na virtude de suas descobertas, que deflorasse as c?meras desvirginando seus clich?s. Ca?mos na armadilha da aproxima??o segura que a web nos disponibilizou, resta agora decidir comer ou ser comidos.

  7. Fernando;
    ?dio ao saber. Pode parecer incr?vel essa express?o, mas ela d? conta de um comportamento humano. Diante de dois caminhos, um deles de evolu??o com liberdade (n?o vou chamar de esfor?o, pois tudo diverte), e o outro de manuten??o perp?tua, os grupos humanos preferem o segundo. N?o saem na rua, como voc? diz acima, n?o saem para a aventura. Mas precisam esconder isso de si mesmos, ent?o nasce o ?dio ao saber, o ?dio ao convite ? aventura, pois o convite denuncia que ela n?o acontece.

  8. Puxa, lembrei de uma vez que (inclusive, foi num duelo com voc?, Rodrigo!) postei a foto de um passarinho em contraluz e o tema ainda por cima era Criatividade! Claro que me esculhambaram, afinal, passarinho em contraluz ? que mais existe no mundo, mas por incr?vel que pare?a aquela foto, naquele momento, era novidade pra mim, era a primeira foto de passarinho em contraluz que tinha feito na vida e estava orgulhos?ssima dela. Hoje acho que ela nem faz parte mais dos meus arquivos, hoje vejo que era s? uma foto banal. Mas isso HOJE, depois de constatar por mim mesma que fotos de passarinhos em contraluz existem aos montes e nada trazem de novo. N?o sei dizer se na ocasi?o a fiz seguindo um modelo pr? estabelecido (todo mundo faz foto em contraluz ent?o tenho que ter a minha tamb?m) ou se de fato foi uma id?ia genu?na. Acho que toda foto pra ser respeit?vel poderia ent?o n?o necessariamente ser nova e criativa, mas que seja pelo menos genu?na (nem que apenas o fot?grafo saiba disso).

    E o pior de tudo, apesar de ter gostado muito do coment?rio do Ivan (pertinente e de boa inten??o) e lamentar o que ocorreu depois, a ?ltima foto postada me pareceu muito genu?na e nem um pouco ?bvia. S? n?o sei se meus olhos ainda n?o viram o suficiente.

  9. Lilian,

    ? claro que no meio de v?rias fotos “clich?s” sai alguma coisa interessante. Mas acho que a an?lise do Ivan, e toda a quest?o aqui n?o ? s? em rela??o ao resultado das fotos, e sim ? busca que as pessoas fazem de forma geral. Ali, foi apenas aplicada uma f?rmula que traz, sim, resultados bons, mas a quest?o ? que ? uma f?ruma repetida ? exaust?o e tida por esses grupos como o ?pice do trabalho fotogr?fico. O que voc? sabe, est? muito longe da realidade.

    Mas voc? tocou num ponto interessante: s? aquele que consegue ver as coisas de forma ampla percebe que antes sua vis?o era limitada.

  10. Lilian;

    Toda a quest?o para mim, ? que todos cumprimos etapas no dom?nio dos truques ou esquemas, e quando fazemos algo correspondente aos esquemas ficamos felizes, fizemos aquilo sinceramente e foi uma vit?ria. Mas em uma comunidade n?o podemos ter essas conquistas que s?o parciais como par?metros a serem buscados, pois isso coloca como n?vel de topo o que ? meramente um n?vel aquisitivo inicial.

    Aquelas fotos em silhueta s?o fotos em silhueta sem qualquer acr?scimo ao esquema, por isso minha cr?tica. Uma coisa ? um iniciante fazser uma silhueta. Outra uma comunidade adorar fotos em silhueta como o cume da express?o -risos.

  11. Aqueles que nesse epis?dio defenderam t?o acirradamente seus pontos de vista e que acabaram transmitindo a impress?o de reacion?rios avessos a quaisquer possibilidades de mudan?a em seus conceitos est?ticos ocupam, para usar a terminologia de Vil?m Flusser, fun??o de meros “funcion?rios” de seus aparelhos fotogr?ficos.

    Por ora, motivados unicamente pela possibilidade de esgotar os “programas” com que se sentem desafiados, ainda n?o despertaram para o aspecto experimental e criativo e libertador que a fotografia pode oferecer, n?o sendo capazes, por isso mesmo, de perceber sua condi??o de escravos dos “brinquedos” que ostentam orgulhosamente.

    Prova disso ? a predile??o quase obsessiva nesses f?runs por temas do tipo “c?mera A versus c?mera B”, “objetiva X contra objetiva Y” e assim por diante, quase n?o sobrando espa?o para aspectos taxados pejorativamente de “filos?ficos”, como linguagem, est?tica, semi?tica, projetos pessoais etc.

    Acredito que tudo isso fa?a parte de um longo processo de aprendizagem, no qual, se alguns j? vislumbram largos horizontes, outros ensaiam para acostumar os olhos ? luz.

    Um abra?o a todos.

  12. Eric,

    Sua an?lise ? corret?ssima. Flusser coloca que o caminho criativo ? justamente escapar do programa, for?ando o aparelho a funcionar de formas para o qual ele n?o foi desenhado.

    Mas a fotografia experimental ? muito mal vista nesses ambientes, em que, por mecanismos de funcionamento grupal, o que ? incentivado ? o uso burocr?tico da programa??o. O que ocorre ? que n?o s? este uso est? distante de ser subversivo, mas tamb?m est? distante de um simples uso pleno do programa em fun??o de projetos pessoais com maior elabora??o. Da? a defini??o perfeita do Fernando, o v?cuo da mediocridade.

    Um abra?o e obrigado pelas participa??es.

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