Notas sobre um workshop de fotografia de família com Irmina Walczak

Em fevereiro de 2020, me dei de presente um workshop sobre fotografia de família com a Irmina Walczak. Irmina e seu marido, Sávio, são conhecidos de longa data. Ela polonesa e ele brasileiro, por um tempo viveram em Brasília, época em que nos conhecemos. Seu livro “Retratos para Yayá”, para o qual fiz uma pequena contribuição ao escrever prefácio, gerou bastante atenção e reconhecimento. Outros projetos fotográficos do casal, como os que tratam de maternagem e amamentação, também receberam destaque.

A oficina da qual participei foi parte de uma série de encontros realizados em várias cidades do Brasil. No dia, eu era o único que não era um fotógrafo profissional ou que tivesse pretensões de ganhar dinheiro com a fotografia. Minha motivação era bastante pessoal: desde que meu filho nasceu, há quase dois anos, minhas fotos têm sido muito mais familiares do que qualquer outra coisa. Ainda assim, tenho vontade de explorar esse campo afetivo de uma maneira particular, e sentia falta de ter trocas sobre fotografia. O fato de não ter a preocupação com a utilidade comercial da fotografia me permitiu aproveitar o workshop de uma maneira bastante descompromissada: não havia nada específico que eu buscasse tirar dele.

Ainda assim, a Irmina se esforçou bastante para atender às preocupações práticas do grupo, falando sobre temas como financiamento de projetos, cobrança, valores. Falou sobre o “caminho das pedras” de uma maneira bem prática e pouco idealizada, recomendando a busca por empresas, patrocinadores e apoios governamentais.

O maior interesse, no entanto, estava na forma em que ela e o Sávio fazem sua fotografia profissional. A sua proposta de fotografia familiar, chamada de Trocas Orgânicas, envolve o convívio da família deles (com três filhos) e a família fotografada, por dois ou três dias. Ao longo dessa convivência, os dois retratam cenas da vida familiar. Esse modelo gerou bastante curiosidade: como é a abordagem? Como as famílias reagem? Quanto tempo é necessário para que as trocas sejam realmente orgânicas? E, a principal dúvida dos fotógrafos: como apresentar e vender um formato de ensaio fotográfico que é tão distante do convencional? Afinal de contas, na proposta das trocas orgânicas, não há muito espaço para as fotos posadas de famílias sorridentes.

Acho que é importante ressaltar que o modelo da atuação profissional da Irmina e do Sávio condiz muito com a sua forma de viver. Hoje eles vivem em um motorhome na Europa, e a vida com um certo desprendimento está ligada à forma como buscam se conectar com as famílias e fotografar. Talvez o projeto seja algo muito natural para eles, e um pouco mais difícil de colocar em prática quando não se está tão aberto, de fato, a trocas com outras pessoas e famílias.

Sobre como fotografar em si, anotei alguns pontos interessantes. Acho que o que mais me marcou foi o fato de não haver nenhum fetiche em si em relação ao realismo ou à espontaneidade de fotos familiares: as cenas podem ser naturais ou montadas. A Irmina dá muita importância à luz: “nenhuma cena justifica uma luz ruim”, ela diz. Ela também comenta que busca um certo tipo de “estranhamento” nas imagens, o que fica evidente quando vemos seus trabalhos. Esse estranhamento, para mim, é o que dá o tom de verdade nas suas fotos, pois, no fim, a vida é bem estranha mesmo. Por fim, ela defende fotos nada espetaculares: cenas cotidianas, bem iluminadas e que não levam a grandes questionamentos sobre como foram feitas. São apenas coisas que aconteceram.

Para mais sobre o trabalho da Irmina e do Sávio: https://www.panoptesfotografia.com/ e https://www.instagram.com/irminawalczak/

Escolhi, para ilustrar esse texto, algumas fotos que fiz antes e depois do workshop e que acredito terem um pouco da ideia dessa proposta.

O Tao da fotografia

O Chuang-tzu diferencia dois tipos de compreensão, a grande e a pequena: “A grande compreensão é ampla e sem pressa; a pequena compreensão é estreita e ocupada.” Embora a capacidade de discriminar seja benéfica para a sobrevivência, ela pode facilmente se tornar um reflexo mental autônomo para responder a todas as situações. Quando isso acontece, a grande compreensão é perdida: abertura, receptividade e uma percepção integral são reprimidas. Nós poderíamos supor, então, que para contrapor a pequena compreensão, deveríamos buscar a grande compreensão. Mas o conselho do Chuang-tzu não é simplesmente jogar fora a pequena compreensão: o sábio é aquele que harmoniza a pequena e a grande compreensão.

Um paralelo entre os dois tipos de compreensão descritos no Chuang-tzu pode ser encontrado na literatura sobre fotografia. De maneira geral, a pequena compreensão na operação da câmera representa o estado mental que se concentra em técnicas, estabelece objetivos, aplica regras fotográficas, arranja uma cena para atingir um determinado resultado e tenta controlar totalmente o assunto. A grande compreensão, por outro lado, corresponde à capacidade do fotógrafo em responder de forma integral e espontânea a uma cena sem interferir abertamente com o assunto. Em última análise, o fotógrafo liberto, assim como o sábio no Chuang-tzu, está acompanhado das duas formas de compreensão: desenvolver a capacidade artística requer primeiro conhecer totalmente a técnica e depois transcendê-la — ver, sentir e responder integralmente a uma cena fotográfica. Neste último estágio, as habilidades fotográficas adquiridas inicialmente estão agora integradas à capacidade do fotógrafo de responder espontaneamente a uma situação.

Philippe L. Gross e S. I. Shapiro, The Tao of Photography, 2001

 

Jose Murillo on Unsplash

A maior parte dos livros, manuais e cursos de fotografia — com algumas honrosas exceções — vão tratar da operação da câmera, leitura da luz, composição, arranjos de iluminação etc. Aprende-se, pouco a pouco, a leitura e construção da linguagem fotográfica, bem como a utilização dos equipamentos que realizam essa escrita imagética.

O que não está na maior parte dos cursos é a postura do fotógrafo frente ao mundo. Como nos relacionamentos com a cena fotografada é algo não dito. Talvez porque, na nossa cultura, se fale muito pouco sobre isso. Aprendemos muito sobre o como fazer, mas pouco sobre o como ser ou o porquê.

Confundimos, então, aprender a fotografar com aprender a usar uma câmera no modo manual, ou como ajeitar as luzes no estúdio. Claro, todo esse conhecimento é necessário, mas é apenas uma parte — possivelmente a mais simples e fácil — do que é fotografar. Quando dominamos totalmente esse tipo de conhecimento, somos capazes de fazer fotografias belíssimas de nada. Temos a luz certa, a composição certa, o enquadramento certo, mas a cena é vazia, como uma peça publicitária: uma estética impecável para um assunto supérfluo.

Ir além disso é o caminho mais árduo e incerto. Uma vez que não existem manuais e quaisquer direcionamentos sobre o assunto nunca serão regras (no máximo sugestões), o movimento na direção de um outro tipo de conhecimento deve ser descoberto por conta própria. Esse desenvolvimento é essencialmente interno e envolve notar nossos condicionamentos, medos, desconfortos, desejos e sentidos.

Nesse estado, a fotografia não obedece mais regras — embora possa usá-las — e não é feita para ninguém. Ela apenas expressa a relação do fotógrafo com o mundo. Quando essa relação é vivida integralmente, todo o conhecimento fotográfico se torna útil: ele é necessário para que a fotografia seja feita naturalmente, sem que a preocupação com o método seja um obstáculo. Todo o aprendizado básico que se teve, então, chega na sua utilidade máxima: ser completamente esquecido.

Preconceitos fotográficos

Você pode não admitir, mas tem preconcepções fotográficas. Todos nós temos. Elas são inevitáveis. Elas pairam nas profundezas da mente, escondidas na sombra, quietas no silêncio, esperando. Na visão de uma flor, uma face ou qualquer outra isca fotográfica, as preconcepções se desenrolam em uníssono, como um cardume de peixes, e lhe carregam sem que você perceba. Fugidias e intangíveis, as preconcepções sempre concordam, sempre elogiam, nunca se queixam, nunca criticam. Elas tornam a fotografia algo fácil. Elas liberam você do suor do pensamento, do exercício mental que deixam o cérebro cansado, a mente ardida, a imaginação ofegante. Guiado pelas preconcepções, você só precisa posar o assunto (“sorria”), disparar (“não se mexa”), e se dar um tapinha nas costas (“muito bem”). Por que evitar criaturas tão agradáveis? Porque elas inibem a sua fotografia.

Derek Doeffinger — The Kodak Workshop Series — The Art of Seeing

Nós somos frutos dos nossos condicionamentos. A forma como agimos e pensamos está de acordo com aquilo que nos foi ensinado, com o que vimos nos outros como nossos modelos e com o que aprendemos na nossa história de vida. A partir daí, criamos nossas regras mentais sobre nós, sobre o mundo, sobre o certo e o errado. Quando isso acontece numa área mais específica da nossa atividade, como a fotografia, a rigidez fica mais evidente.

Basta pensar na etapa mais importante de qualquer criação fotográfica: aquilo que decidimos fotografar. É como se tivéssemos, nas nossas mentes, duas caixinhas: a do que é fotografável e o que não é. Como o texto diz, flores, faces e sorrisos são alvos fáceis. E, em tempos de redes sociais, pratos de comida e espelhos de academia também entram na lista. Existe apenas uma parcela de coisas e experiências que enxergamos como ‘fotografáveis’.

Foto de pawel szvmanski

Outra esfera das nossas preconcepções — ou preconceitos — fotográficas se refere a como fotografar. Seja utilizando uma câmera dedicada no modo manual, com lentes fixas ou o próprio celular, costumamos ter um modo de fazer as fotos. Posso apensas usar grandes aberturas para ter desfoque de fundo, ou inclinar o smartphone de uma certa forma para o melhor ângulo na selfie.

Tudo isso porque o nosso preconceito fotográfico estabelece que existe um modelo daquilo que é aceitável numa fotografia. O assunto, a forma e a estética esperada definem se a fotografia vai para a caixinha mental da aprovação, do bom, do certo ou da desaprovação, do ruim, do errado. Nós estamos o tempo todo julgando e classificando aquilo que vemos e fazemos, bem como aquilo que os outros são e fazem.

Como essas ideias são tão pessoais e rígidas, fica muito difícil apreciar quem faz algo diferente, seja no assunto, na forma ou na estética. Essa dicotomia na hora de ver torna isso praticamente impossível, pois é como se o fato de eu apreciar o diferente invalidasse aquilo que eu faço. Como geralmente só existem duas caixas, a do bom e a do ruim, se algo está numa caixa, o diferente daquilo obrigatoriamente teria que estar na outra. Daí a nossa incompreensão e intolerância.

É quase desnecessário dizer que é por isso que os bons fotógrafos — e os bons manuais de fotografia — insistem na experimentação, em sair da zona de conforto, em descondicionar o olhar. Só dessa forma será possível uma fotografia desinibida, sem medo e criativa. É claro, eu continuo achando que o sorriso do meu bebê de seis meses é a cena mais fotografável do mundo, mas se eu realmente quiser buscar uma fotografia expressiva, preciso perceber as minhas caixinhas mentais e fazer o máximo para ir além delas.

Vida fotogênica

A fotografia sempre teve como característica a possibilidade de estetizar os seus assuntos, tornando aquilo que é fotografado artificialmente belo. Com algum conhecimento de luz, composição, cores e enquadramento, é possível criar cenas que encantam os olhos. Isso sempre foi comum: basta olhar para campanhas ou revistas de moda, seja de que época forem. Antes disso, os pintores desde o renascimento se esforçavam para retratar a nobreza de forma lisonjeira.

O que mudou nesse século, com a fotografia digital e os programas de manipulação e em seguida com os telefones celulares, que podem editar imagens fácil e automaticamente, é que esse processo passou a estar na mão de todos. Os filtros existentes em aplicativos e os automatismos dos smartphones, que atualmente têm grande capacidade de processamento, tornaram muito simples a tarefa de criar imagens que antes demandariam muito trabalho e conhecimento específico.

Não faço críticas à popularização dessas ferramentas. O que gostaria de pensar é nas consequências disso para nós enquanto observadores de fotografias. Que tipo de impacto existe em estarmos constantemente vendo fotos de lugares, situações e pessoas perfeitas?

No seu livro Illusion and Reality: The meaning of anxiety (Ilusão e realidade: O significado da ansiedade), o psicólogo britânico David Smail afirma que

A maior parte das pessoas, na maior parte do tempo, percebem de forma profunda e infeliz o contraste entre o que elas são e o que elas deveriam ser. Mesmo num nível superficial (ainda que muito impregnante), por exemplo, muitas pessoas se sentem fracas e bobas quando elas deveriam ser fortes e confiantes, feias e insignificantes quando elas deveriam ser atraentes e chamativas. Como consequência, nós gastamos uma quantidade enorme de tempo e energia tentando impedir que os outros consigam ver o nosso verdadeiro e vergonhoso eu. Para isso, construímos aquilo que acreditamos ser uma versão pública aceitável de nós mesmos, mas que sabemos ser apenas uma casca vazia.

Cassie Boca

Basicamente, estamos o tempo todo em contato com as nossas inadequações. Nós tentamos escondê-las e parecer uma pessoa normal, bonita, bem-sucedida e confiante. Sabemos que não o somos, mas vivemos tentando pelo menos aparentar. A fotografia filtrada e embelezadora que está tão presente nas redes sociais, nas revistas e nos blogs pode, então, ser uma ferramenta para tentar passar essa imagem. Nossa tentativa é a de criar uma vida fotogênica, influenciados pela blogueira fitness que tem o corpo perfeito, pela youtuber que lê 10 livros por mês, pelo colega que posta no Instagram as fotos de pratos nos melhores restaurantes e pelo contatinho do Tinder que aparece simpático e descolado nas fotos.

Quando estamos olhando essas fotos feitas por outras pessoas, sofremos por compará-las com a nossa realidade sem filtros. Sem filtros, temos olheiras, espinhas, rugas, comemos mal, passamos dias entediantes, somos preguiçosos, fora de forma, mal-humorados e chatos. Ainda que postemos uma versão editada da nossa vida no Instagram, nós sabemos que aquilo é apenas uma fração da nossa existência, vista pelo melhor ângulo, com a melhor luz e a melhor cor, a fim de esconder as imperfeições que sabemos que estão lá. E aí, mesmo que nossa vida fotogênica seja convincente, não é incomum que nos sintamos uma fraude.

Quanto maior é a distância entra a nossa vida fotogênica e a nossa vida real, maior o sofrimento e maior a tentativa de esconder o nosso rosto sem maquiagem e a nossa foto sem filtro. Talvez fosse melhor apenas deixar para lá essa plasticidade pasteurizada que tanto nos consome. Ainda que possa parecer assustador, poderíamos viver (e até fotografar) nossa vida real que, por mais que seja cheia de falhas, é verdadeira.

 

Referência

Illusion and reality: The meaning of anxiety, de David Smail. Publicado em 1997 pela Trafalgar Square Publishing.

Foto: Tom Sodoge

A fotografia mudou (de novo)

Relatórios recentes indicam que a venda de câmeras caiu vertiginosamente nos últimos anos, sejam compactas, reflex ou mirrorless. Após o surgimento das máquinas fotográficas digitais, parece ter havido uma febre por equipamentos que vem se esfriando com a popularização de celulares e a melhora na qualidade das fotografias produzidas por eles.

Sejamos honestos: tirando aquelas que são muito ligadas em fotografia, a maioria das pessoas não liga para a diferença no resultado de uma câmera dedicada e de um celular — ou, mesmo que ligue, não está disposta a abrir mão da praticidade e portabilidade de um telefone. Não sei se os fabricantes de equipamentos estavam preparados para isso ou não, mas o fato é que hoje as câmeras dedicadas estão se tornando um objeto que só os profissionais e poucos entusiastas ainda usam. O mercado de equipamentos fotográficos está se transformando num nicho restrito, talvez como seja hoje o mercado de filmadoras: praticamente só os profissionais usam.

Com isso, estamos vendo as empresas se retirando do mercado nacional, marcas de equipamentos sendo compradas ou fundidas, fóruns de discussão sobre fotografia na Internet definhando, escolas de fotografia tendo dificuldades para obter novos alunos e tendo que se reinventar. A economia em torno da fotografia está precisando se adaptar à redução natural de interesse por parte das pessoas.

O que não quer dizer, no entanto, que as pessoas estejam fotografando menos. Ao contrário: hoje a rede social que mais ganha relevância é o Instagram; aparelhos celulares são avaliados pelas suas câmeras, sendo que novas tecnologias vêm sendo lançadas, como câmeras duplas, câmeras frontais, HDR, ativação por voz e assim por diante. Nunca se fotografou tanto.

Piotr Mamnaimie

O hábito de tirar fotos está totalmente integrado à nossa rotina. Entretanto, ele é tão automático que quase não percebemos que estamos fotografando. Abrimos a câmera do celular, enquadramos e apertamos um ícone na tela: pronto. De lá a imagem vai direto para os amigos ou para as redes sociais. Se na época do filme havia todo o processo de revelação e na das câmeras digitais havia ainda o processo de baixar as fotos para um computador, processá-las e compartilhá-las, hoje até esse caminho se tornou arcaico. Fotografar, revelar e mostrar as fotos para outras pessoas era um processo que já levou dias; hoje leva segundos.

Há muita discussão sobre se o automatismo e a velocidade de produção de fotografias é algo bom ou ruim. Debater não muda muita coisa: as coisas simplesmente são assim. Ainda há espaço para quem gosta de fazer uma fotografia artesanal, até mesmo usando filme. Há espaço para quem gosta de usar câmeras digitais dedicadas e editar cuidadosamente as imagens no computador. E há também para a grande maioria que fotografa se aproveitando da praticidade dos smartphones.

Embora a forma como se fotografa faça parte da mensagem, o aspecto mais importante da fotografia é o que se fotografa. O conteúdo, a narrativa, a expressão são o que dão peso à fotografia. Por muito tempo temos confundido saber fotografar com saber operar uma câmera. Se isso já era uma concepção enganosa, agora se torna ainda mais. Os automatismos dos celulares permitiram à muitas pessoas despreocupadas com técnicas produzirem conteúdos extremamente relevantes. Esses não são fotógrafos menores; ao contrário, são fotógrafos conectados com a essência da fotografia: o assunto.

 

Foto do topo: ythedarkdays

Experiência pura ao ver fotografias

Como com tudo na vida, assim que olhamos para uma foto, uma série de pensamentos surge na nossa mente. Geralmente, esses pensamentos são julgamentos ou avaliações: “essa foto é bonita”; “o horizonte está torto”, “a mensagem é fraca”, “que cena impactante”, “o fotógrafo usou filme” e inúmeros outros. Podemos fazer avaliações das mais diversas ordens: em relação ao conteúdo da foto, em relação aos aspectos técnicos, contextos históricos, referências ao autor e assim por diante.

Ou seja, quando olhamos para uma foto, não estamos realmente olhando para a foto, e sim para os nossos pensamentos sobre a foto. Embora seja totalmente natural, essa postura faz com que estejamos sempre um passo atrás da conexão direta com aquilo que nos cerca. É como se estivéssemos o tempo todo nos relacionando apenas com nós mesmos, e não com aquilo que percebemos. Talvez você esteja fazendo isso nesse momento, ao ler esse texto: concordando, discordando, fazendo relações com outras coisas que você já leu.

Estar realmente na relação com aquilo que percebemos é chamado por alguns pensadores de “experiência pura”. O filósofo japonês Kitaro Nishida¹, por exemplo, descreve algumas características da experiência pura:

  • É uma experiência direta do mundo
  • É pré-reflexiva, ou não-conceitual
  • É um simples fato
  • Dissolve as distinções entre o interno e o externo, entre sujeito e objeto

Ou, seja, é uma experiência que não é mediada pelos pensamentos ou avaliações, em que não há distinção entre o observador e o observado.

Maciej Wrona
Maciej Wrona

Essa não é a forma com a qual estamos acostumados, especialmente na nossa cultura ocidental, a nos relacionar com as coisas. Ao contrário, valorizamos até demais os nossos pensamentos e julgamentos; nos atemos a eles e muitas vezes nos prendemos tanto às nossas opiniões que podemos ver a realidade de maneira distorcida. Temos grande dificuldade em ver o que é simplesmente como o que é.

Já se fala na fotografia contemplativa, em que esse espírito de se relacionar de outra maneira com o mundo se aplica ao ato de fotografar. Mas indo além, talvez seja possível aprender a contemplar fotografias. Uma das maneiras seria através de um simples exercício:

  1. Escolha uma fotografia. Qualquer uma serve.
  2. Tente se colocar numa posição relaxada e confortável.
  3. Respire profundamente, notando a sensação de inspirar e expirar
  4. Olhe para a fotografia. Tente simplesmente percebê-la, notando as sensações que ela gera.
  5. Quando os pensamentos surgirem, especialmente de avaliação, note-os e deixe-os ir e volte a sua atenção à fotografia e note as sensações que estão presentes.

Para muitas filosofias, a contemplação é parte fundamental para uma vida mais rica. O julgamento obscurece nossa compreensão, uma vez que nos faz classificar e, a partir dessa classificação, buscamos nos aproximar ou nos afastar. Por isso, ficamos num jogo de gato e rato com a vida. Ficamos mais rígidos e presos às nossas opiniões, gerando sofrimento para nós mesmos. A contemplação é ver as coisas simplesmente como elas são, ampliando a nossa percepção e permitindo que vejamos todas cores do mundo, em vez de ficar no preto ou branco.
Referência:

1. Nishida, K. (1990). An Inquiry into the Good. New Haven: Yale University Press.

Foto do cabeçalho: Samuel Zeller

Como escolher uma câmera

Câmeras fotográficas estão se tornando um produto de nicho. Como hoje todo mundo fotografa com os celulares, que têm câmeras cada vez melhores, a fabricação e venda de equipamentos exclusivamente fotográficos está caindo. É possível que, em breve, apenas profissionais e apenas amadores muito entusiasmados continuem comprando câmeras.

Enquanto esse dia não chega, ainda existe a preocupação sobre como escolher uma câmera. A nossa forma de tentar, a partir do nosso pensamento cartesiano, é fazer uma lista de opções e comparar números. Megapixels, velocidade, abertura da lente, tamanho da tela, peso, número de botões e tudo o mais. Também incluímos os termos criados pelos departamentos de marketing para falar de especificações que prometem grande resultados.

O problema é que prestar atenção demais no equipamento atrapalha a boa fotografia. Para fotografar bem, é preciso construir uma relação íntima e significativa com aquilo que estamos fotografando. Desenvolver um “ver” que que esteja conectado ao assunto, seja ele qual for. E aí, se a câmera entra no meio, essa relação se perde. A câmera precisa desaparecer.

Foto: Holy [K]
Foto: Holy [K]
Se você concorda com isso, entenderá, então, que os critérios para escolher uma câmera não devem ser números, tampouco o raciocínio de conseguir a melhor câmera pelo dinheiro que você tem. O critério será ter uma câmera que possa sumir enquanto você está fotografando. A partir disso, podemos pensar em três pontos práticos:

Escolha uma câmera que você não terá medo de usar

Se você tiver um equipamento muito caro e sofisticado, provavelmente se preocupará com quedas, quebras, assaltos. Isso pode deixar você tenso na hora de fotografar. Tenha um equipamento com o qual você não precise se preocupar, que não causará muito prejuízo ou falta caso você o perca ou ele se quebre. Assim você poderá fotografar onde quiser e poderá realmente usar sua câmera. Sua fotografia ficará mais livre.

Escolha uma câmera que você possa operar sem ter que pensar

A operação da câmera deve ser automática. Sempre existe um tempo de aprendizado, mas depois disso, se você precisar pensar no que vai fazer, ficar procurando opções em menus e uma miríade de botões, sua fotografia perderá espontaneidade e sua atenção não estará naquilo que importa.

Escolha uma câmera que não deixe você deslumbrado

É natural se animar com a câmera no início, mas se você fica deslumbrado com suas possibilidades, com sua qualidade, sua atenção também não estará no assunto. O equipamento é uma ferramenta, um meio, e não um fim. A menos que o seu propósito seja realmente apenas brincar com o equipamento.

Em suma, não escolha uma câmera da qual você se orgulhe, que chame sua atenção, que faça você querer ficar brincando com ela mesma. Escolha uma câmera que você possa esquecer.

 

Foto do topo: Toffee Maky

A fotografia objetificadora

A fotografia pode ser empregada de acordo com diversas motivações. Posso fotografar para criar uma lembrança através de uma imagem mais realista de um momento. Posso fotografar para contar uma história. Posso fotografar para expressar algo. A maior parte de nós, entretanto, fotografa pela estética da fotografia. Nossa preocupação é produzir uma imagem que seja considerada bela, que atraia o olhar do observador e que seja considerada por ele agradável, deslumbrante, impactante. Mesmo quando nossa motivação principal é a narrativa ou o registro, a preocupação estética está lá, sendo que as “melhores” fotografias são aquelas que conseguem aliar a narrativa ou o registro à estética.

Sendo assim, a câmera acaba sendo usada como uma ferramente estetizante e, portanto, objetificadora. Ela transforma o que quer que ela veja como um objeto que só pode ser julgado, apreciado ou desprezado a partir da sua aparência. Especialmente quando a fotografia não é acompanhada de texto.

Quando vejo uma foto que destaca as rugas no rosto de uma pessoa idosa, uma modelo numa pose sensual, um morador de rua ou mesmo um retrato cotidiano, tenho apenas uma imagem estática, criada através das idiossincrasias da câmera. Não ouço, não sinto cheiros, não sei a história: tenho apenas uma imagem e, se quiser fazer qualquer julgamento, só poderei fazer a partir daquilo que vejo no recorte criado pela máquina fotográfica.

Não é à toa que pessoas que não se consideram fotogênicas geralmente encaram isso como um grande problema. “Não saio bem em fotos”, diz a pessoa, o que significa que ela tem uma desvantagem justamente na plataforma que mais utilizamos para julgar uns aos outros. Ou, pelo menos, a que utilizamos para fazer o nosso primeiro julgamento. Nas redes sociais, nos aplicativos que promovem encontros sexuais e românticos e até mesmo no seu crachá, a fotografia está lá como a referência pela qual você receberá seu primeiro — e muitas vezes único — julgamento daqueles que não te conhecem.

Charles Henry
Charles Henry

Nós podemos até nos incomodar com essa imposição da imagem e da aparência como o critério de julgamento mais importante que nos fazemos, mas no fim das contas acabamos nos rendendo à objetificação da câmera. Procuramos saber quais são os nossos melhores ângulos, descartamos imediatamente as fotos em que não saímos bem, produzimo-nos para aparecer numa foto, especialmente se a sua finalidade for ser a foto de perfil de alguma rede social. No fim das contas, não questionamos a objetificação da imagem, aceitamos ser objetos. O que acabamos fazendo é tentar ser objetos agradáveis e desejáveis. Isso não se dá só no momento da fotografia, mas na relação que temos com o próprio corpo: na forma de nos vestir, nas dietas, na academia de ginástica, na maquiagem e assim por diante.

Não restringimos esse processo apenas a nós mesmos. Quando nos aprofundamos na fotografia, nosso objetivo é conseguir traduzir o que vemos em objetos estéticos admirados e desejados. No caso da fotografia profissional, eles precisam ser desejados o suficiente para que outros queiram pagar por ele. Na fotografia amadora, nos contentamos com um pouco de admiração alheia. Por isso, pego o retrato de uma pessoa idosa e intensifico as suas rugas na edição da imagem — que invariavelmente será em preto e branco. Não me importa o nome da pessoa, a sua história, seu estado de espírito. O que me importa é transformar sua imagem num objeto estético que vai garantir apreço das pessoas cuja admiração eu busco. Em outras palavras, minha preocupação não é com a pessoa fotografada, e sim com meu ego.

Numa era dominada pela imagem fotográfica, conhecer os seus segredos é algo muito sedutor. Aprender a fotografar é visto como aprender a desvendar a forma da câmera ver o mundo, pois assim posso produzir melhor os objetos estéticos que me garantirão apreço, respeito ou dinheiro. A maior parte dos livros que ensinam fotografia enfatizam justamente isso, a operação da câmera. Mas falam pouco sobre outros aspectos de criação da imagem. E nenhum fala da relação que se tem com aquilo que se fotografa. Falo aqui de uma relação verdadeira, e não de “direção de modelos”, por exemplo, em que se usa uma relação artificial para conseguir o mesmo objeto estético de sempre. Pois só através de uma relação genuína com o outro, em que a câmera é secundária, eu poderei fazer uma fotografia mais pessoal e significativa, e menos objetificadora.

Imagem do cabeçalho: Marco Calabrese

Fotografia perdida na linguagem

Palavras e números estão tão intrincados na nossa vida que já passamos a um ponto em que os confundimos com aquilo que se pretende descrever através deles. Embora sejam apenas símbolos — que podem ser usados na forma de sons ou estímulos visuais — é comum que eles assumam maior importância do que a realidade. Nós nos encantamos tanto com essa ferramenta fantástica que criamos, a linguagem, que não percebemos o quanto ela pode ser enganosa. A linguagem é essencial, determinante para a nossa vida e para a nossa história tanto enquanto indivíduos como quanto civilização. E justamente por estarmos imersos nela o tempo todo — eu mesmo não tenho outra forma de falar sobre isso a não ser a utilizando — temos dificuldade em perceber como ela molda a nossa forma de viver e perceber o mundo.

Para notar como a linguagem permeia nossas experiências, podemos prestar atenção em como a usamos no dia a dia: para representar, categorizar, classificar e julgar. Nosso pensamento acaba sendo totalmente determinado pela linguagem. Tanto que a diferença nas estruturas de um idioma para o outro podem ter influências sobre como indivíduos que falam uma ou outra língua se relacionam com o mundo. Na fotografia, como em qualquer outra atividade humana, isso está presente nos mais diversos níveis.

Inicialmente, podemos falar dos equipamentos. Quando procuramos um equipamento para comprar, olhamos bem pouco para o que realmente importa: as fotos que ele faz. Em vez disso, nossa atenção se volta para uma série de especificações técnicas, palavras e números que representariam as qualidades da câmera, mas que no fundo significam quase nada: 20 megapixels; 7 quadros por segundo; ISO 32000; zoom de 24x. Ou a preocupação existente com a categoria “profissional”, essa palavra mágica que atribui à câmera em questão grandes poderes. Essa nossa fixação por palavras e números na hora de comprar é o sonho dos publicitários: para causar uma impressão boa, basta usar números impressionantes ou termos extravagantes, não importando o que isso significa na prática.

Mas não paramos por aí. Necessitamos categorizar a fotografia em si. Os rótulos que colocamos naquilo que acreditamos serem “tipos” de fotografias: retratos, paisagens, fotojornalismo, fotografia autoral, esportes, macro, moda, eventos. Quando queremos que o rótulo seja mais pomposo — afinal de contas, o rótulo vale mais do que aquilo que ele representa — usamos palavras em inglês, como newborn ou wedding, em vez de recém-nascido ou casamento. Adicionamos assim mais um nível de distanciamento entre a descrição e a realidade.

Wayne Lo
Wayne Lo

Em seguida, temos os julgamentos. Nossa linguagem nos dá essa possibilidade: a de descrever as coisas de forma que a descrição em si determine qual será a nossa atitude frente às coisas. Se classificamos algo como bom, bonito, agradável, valioso, condicionamos uma atitude de aproximação ou de desejo. Se, ao contrário, categorizamos algo como ruim, feio, desagradável ou sem valor, nossa atitude é a de desprezo, afastamento ou aversão. O quanto dessa nossa atitude frente à realidade é determinada pela própria realidade ou pela forma com que a rotulamos? Pior ainda é quando tentamos interpretar, ou seja, além de apenas descrever e categorizar, criamos um outro significado para algo, distinto do significado descritivo original.

Embora estejamos presos nela o tempo todo, é muito fácil perceber como a linguagem é limitada. As discussões sobre fotografia geralmente são discussões sobre os conceitos relacionados à fotografia. Essa câmera pode ou não ser chamada de profissional? Essa fotografia é autoral ou fotojornalismo? Essa fotografia é nítida o suficiente? Essa é ou não uma boa fotografia? E é melhor nem entrarmos nas discussões sobre o que é ou não fotografia e o que é ou não arte. Discutimos para tentar estabelecer qual o melhor rótulo para uma fotografia, sem perceber que “melhor” também é apenas mais um rótulo. Ou seja, ficamos dando voltas nos conceitos sobre os conceitos, numa espécie de bola de neve metalinguística. Não é à toa que ficamos tão confusos e que normalmente não cheguemos a lugar algum. Não podemos resolver problemas da linguagem dentro dela mesma.

A linguagem é uma ferramenta. Uma forma de descrever o mundo e nos comunicarmos. Palavras e números são símbolos. Costumamos confundir os símbolos com a coisa em si, e aí passamos a dar mais valor ao símbolo, à ideia, do que à realidade e à experiência. Se olharmos para todas as descrições, categorizações, classificações e julgamentos que fazemos, podemos perceber que nada disso existe. Tudo é uma mera criação mental. Talvez seja difícil de perceber isso porque ainda estamos dentro da linguagem, eu escrevendo e você lendo esse texto. Mas estamos apontando para fora dela, de forma que talvez possamos, individualmente, sair desse emaranhado. A fotografia, justamente por não ser verbal, pode ajudar nisso. Você já experimentou, por exemplo, tentar olhar para uma fotografia apenas com seus olhos, livre de qualquer julgamento?

Foto do cabeçalho: namtaf

A criação sincera

Na China antiga, antes que um artista começasse a pintar qualquer coisa — uma árvore, por exemplo — ele sentava-se na frente dela por dias, meses, anos, não importa quanto, até que ele fosse a árvore. Ele não se identificava com a árvore, ele era a árvore. Isso significa que não havia espaço entre ele e a árvore, nenhum espaço entre o observador e o observado, nenhum experienciador experienciando a beleza, o movimento, a sombra, a profundidade de uma folha, a qualidade da cor. Ele era a árvore totalmente, e apenas nesse estado ele podia pintar.
Krishnamurti

O que será que nós chamamos de criação? O que significa a palavra criatividade? Dependendo da nossa concepção sobre esses conceitos, podemos dizer que nós criamos o tempo todo. Ao escrevermos, ao falarmos, ao fotografarmos. Estamos constantemente interagindo com o mundo e uns com os outros de forma que ideias, textos e imagens surjam, como decorrências dessa interação. Isso é criação? Sim, no sentido geral da palavra, mas isso não parece suficiente — soa raso ou banal. Imaginamos que exista — e procuramos produzir — um tipo de criação que se destaque, que seja de alguma forma mais sublime, mais pura, mais verdadeira. É comum que essa se torne a busca de quem quer criar de fato, seja na área que for.

Essa busca pelo que estamos chamando de sublime implica que a nossa criação diária, por algum motivo, não é suficiente. Talvez seja porque nossa criação diária está impregnada dos nossos condicionamentos, censuras e bloqueios. Reprocessamos ideias, repetimos velhas fórmulas, decidimos sobre aquilo que mostramos baseados no nosso receio — ou no nosso desejo — da opinião dos outros. Ao perceber isso, tentamos o diferente, alguma forma de libertação, de autonomia. Mas, na maioria das vezes, falhamos, pois buscamos o diferente fazendo igual.

Tentamos, por exemplo, ser originais. Não há nada mais comum do que tentar ser original. Ao buscar algo novo, estamos totalmente presos ao velho. Como posso ser honesto se estou preocupado com a originalidade? Estou olhando para fora, para o passado, para os outros, procurando uma brecha e tentando adequar o que eu faço a uma lacuna externa. Dessa forma, nos identificamos através da negação, e a obra que surge disso já está totalmente contaminada por tudo aquilo que ela pretende negar.

Ou pior, tentamos usar os mesmos métodos de outra pessoa. Procuramos oficinas, lemos livros, na esperança de que alguém nos dê a fórmula ou o modelo para fazer as coisas funcionarem. “Vá por esse caminho”, “siga por aquele”, “você está indo bem”, é o que queremos ouvir. Essas fórmulas podem até ajudar você a re-produzir obras que servem para um determinado fim, como reproduzir uma determinada estética, chamar a atenção, chocar, ou o que for. Mas é uma mera repetição. Quando você busca, por exemplo, uma maneira de fazer com que as pessoas gostem das suas fotos, você perdeu qualquer possibilidade de criação real. Ainda que você consiga fazer com que gostem de suas fotos, se a sua criação foi pautada nos moldes daquilo que seria agradável para quem vê, você apenas produziu mecanicamente.

Oliver Hammond
Oliver Hammond

Você não pode receber uma fórmula para a criatividade, pois a criação sincera é um percurso pessoal. Ele não pode ser moldado, acelerado ou conduzido. Você precisa estar consciente e atento ao seu próprio funcionamento: como você pensa, quais são seus desejos, quais são seus medos. Quais armadilhas você coloca para si mesmo? Quais são seus bloqueios? O que, realmente, lá no fundo, você quer com a sua arte, com a sua fotografia? Ninguém pode dar uma receita, uma resposta pronta nem percorrer esse processo por você. O máximo que está ao alcance de um professor, um livro ou curso é fazer essas perguntas, é provocar, para que você percorra o caminho.

O mais importante nesse processo é a abertura que precisamos ter. Pois você não sabe aonde esse caminho vai lhe levar. Pode ser que o resultado seja de criações que não interessem a ninguém, que não tenham valor comercial. Pode ser que no fim desse processo, você não queira mais fazer o que imaginava querer no começo. Por isso, qualquer pré-concepção, qualquer ideia anterior sobre aonde se quer chegar só atrapalhará o processo. Uma grande — e árdua — dose de abandono das próprias ambições e regras é necessária.

Na fotografia, essa atividade pode ser ainda mais difícil. Pois a facilidade da fotografia dificulta a profundidade de uma criação sincera. Não importa se você usa uma câmera de celular ou uma topo de linha, ela sempre verá as coisas de seu jeito particular, o jeito para o qual ela foi programada. De qualquer forma, o trabalho a ser feito mesmo não é com a câmera, nem com a luz, nem com o assunto. É consigo mesmo, é o trabalho mental, a observação de si, o abandono dos velhos condicionamentos, das fugas fáceis, dos desejos superficiais. A fotografia, ou qualquer outra criação, estará no fim desse processo, que, se percorrido com afinco, resulta na sinceridade. Nesse fim, a obra resultante é o menos importante. O que se ganha mesmo é a coragem de ter olhado para si mesmo.

Foto do cabeçalho: Ben Collins